Socorro, excelente professora de redação que tive no ensino médio, certa vez me fez um pedido.
Na verdade, era uma ordem. Mas precisei adaptar para que o título acima ficasse mais atrativo (é uma das nossas competências como profissionais de comunicação).
Ela pediu – ok, ordenou – que eu escrevesse um texto narrativo.
Ao receber a correção dias depois, tomei um susto.
Logo após meu último parágrafo, Socorro me escreveu perguntando de onde eu havia copiado aquela história.
Obviamente, fiquei indignado: era uma criação minha, ora! Porém, não demorou até que eu repensasse a situação e passasse a vê-la com bons olhos.
Afinal, apesar da desconfiança dela, que duvidou da minha capacidade, no fim das contas eu tinha escrito algo legal o suficiente para fazê-la achar que o autor era outra pessoa.
(Válido ressaltar que nada tenho contra a referida professora – aliás, a breve “treta” nunca me atrapalhou de seguir admirando seus métodos. E até hoje gosto bastante dela).
De volta aqui: esse episódio longínquo me veio à mente recentemente, com a ascensão dos recursos de inteligência artificial, como o ChatGPT e o Midjourney. Ambos, diga-se, bastante úteis ao universo da propaganda e da publicidade.
Mas é uma questão intrigante: o conteúdo que sai desses sites pode ou não ser entendido como “original”? E, caso não seja, convém dispensar tais criações – sejam elas publicitárias, acadêmicas, jurídicas, computacionais ou quaisquer outras?
Se o que pedimos ao robô para executar resulta numa produção capaz de beneficiar o leitor, fazendo-o pensar, resolvendo problemas, informando-o e o instruindo, talvez a “originalidade” se torne secundária.
Já há muitas empresas utilizando tais tecnologias com ganhos significativos de eficiência e produtividade.
O impacto é, aparentemente, irreversível. E requer atenção às oportunidades que vão surgir para quem se familiarizar aos bons usos das ferramentas – que, aliás, estão a cada dia mais fáceis de serem usadas, mesmo por quem não é do ramo.
(Nada disso vai melhorar a vida de quem não se qualificar. Sem repertório, leitura e dedicação, esses recursos não farão milagres. Fica a dica: é mais negócio seguir estudando bastante).
Claro que há questões e precauções envolvidas. Mas prefiro não agir como os luditas, que no século XIX se revoltaram contra as máquinas. Inclusive porque muitas delas já estão, inclusive, há bastante tempo, ajudando a salvar vidas.
O pedido de socorro, qualquer hora dessas, pode ser feito a um robô. Aí, vamos combinar, é melhor que haja algum para atender.
*Professor do curso de Publicidade & Propaganda da FDV, é doutor em Linguística pela UFJF, assessor de imprensa na UFV e redator de campanhas publicitárias há mais tempo do que consegue se lembrar